FARADAY e o Equivalente-grama – Eq-g
https://doi.org/10.29327/840336 Patógenos&Epidemias Publicações
Ciência para todos
Não recomendado pela IUPAC [ International Union Pure Chemical] desde os anos de 1990, o Equivalente-grama, ou Equivalente-massa, ou ainda massa equivalente – banido pela IUPAC, por esta compreender que trata-se de um conceito empírico-arcaico que não expressa corretamente o conceito de reação entre os agentes químicos; no entanto é um importante conceito e ferramenta para a melhor compreensão por parte dos alunos do ensino médio das duas Leis da Eletrólise de Faraday; e aplicação da expressão derivada a seguir:
As Leis de Faraday
No processo da eletrólise os íons vão para o catodo ou ânodo, o que é denominado de descarga dos cátions e ânions, ocorrendo alterações de massas nesses locais, por exemplo; ou mesmo a liberação de gás. Essas massas alteradas ou a produção de gás obedecem às duas Leis de Faraday:
1ª LEI – a massa de substância eletrolisada é diretamente proporcional à carga que atravessa a solução.
Logo, podemos escrever:
m = k1 . Q
onde
m = massa;
k1= cte de proporcionalidade; e
Q = carga elétrica
2ª LEI – a massa da substância eletrolisada, é diretamente proporcional ao Equivalente-grama da substância, quando é utilizado a mesma carga elétrica.
Logo, podemos escrever:
m = k2 . E
onde
m = massa;
k2 = cte de proporcionalidade; e
E = Equivalente-grama da substância
Faraday com suas duas leis para a eletrólise demonstra que a quantidade de massa m produzida nos eletrodos depende tanto da quantidade de eletricidade, quanto da identidade do produto - da substância.
Podemos continuar o raciocínio fundamentado nas duas Leis de Faraday. Como m é diretamente proporcional as grandezas Q e E, podemos escrever a seguinte equação matemática, utilizando um terceiro coeficiente de proporcionalidade, aqui chamado simplesmente de K:
m = K . Q. E
Com a expressão acima é possível determinar empiricamente o valor da constante K, utilizando qualquer substância eletrolisada. Medindo a massa alterada m, e com o valor da carga Q, na qual a cuba eletrolítica é submetida, e utilizando o respectivo Eq-g E da substância eletrolisada, o valor de K é determinado pelo quociente entre o valor da massa alterada m (em grama) do respectivo eletrodo e o valor da multiplicação da intensidade da carga Q (em coulomb) com o valor do equivalente-grama E (em grama), conforme equação abaixo:
K = m/Q. E
O valor encontrado sempre será de 0,000010364269884, independente da substância eletrolisada, mostrando ser uma constante, sendo determinada experimentalmente. O seu valor inverso, de ≈ 96.485,33... , adotado nos cálculos que não exigem precisão, é de 96.500. Este valor inverso é chamado de constante de Faraday, sendo F = 96.500, quando, é claro, utiliza-se carga elétrica Q em coulombs (C). Ou seja, F = 96.500 C, o inverso de K, expresso como:
K = 1/F
Portanto, substituindo a expressão de K acima na equação m = K. Q. E, tem-se:
m = 1/F . Q. E
Sendo Q = i. t
Q = carga elétrica;
i = intensidade da corrente;
T = intervalo de tempo.
Dessa forma podemos finalmente escrever:
m = 1/F . i. T. E
ou ainda
m = 1/F . E. T. i
Mas, o que seria F? Qual o seu significado físico-químico?
Já vimos que F é igual a 96.500 C (C = Coulomb, unidade de carga elétrica no Sistema Internacional – S.I).
Na expressão m = 1/F . E. Q façamos m = E. Logo temos
E = 1/F . E. Q, o que resulta em F = Q. Ou seja, F corresponde a carga elétrica que eletrolisa a massa que corresponde a 1 Eq-g. Essa carga é um Faraday ( 1F ).
Agora, sem receio, podemos escrever com propriedade, a expressão empírico-teórica:
Desdobramento dos conceitos:
Sabendo a carga de 1 elétron, podemos verificar a quantidade de elétrons associados a carga de 1F (96.500C).
Veja:
O número N acima é conhecido como Número de Avogadro, é também chamado de Mol para a compreensão da quantidade N. A IUPAC recomenda que N seja reconhecido e denominado de constante de Avogadro.
Voltando ao desdobramento; verifica-se, portanto que 1F tem-se 1 mol de elétrons.
Com a exclusão do conceito de Equivalente-grama pela IUPAC, a 2ª Lei de Faraday foi reescrita da seguinte forma (encontrada nos livros de Química atuais - 2021, numa linguagem atualizada):
"A segunda lei relaciona a quantidade de elétrons transferidos com a quantidade de matéria da espécie química oxidante ou redutora" (6)
ou ainda,
"A quantidade do produto formado ou do reagente consumido por uma corrente elétrica é estequiometricamente equivalente à quantidade de elétrons fornecidos" (13)
E a partir daí, apresentam o cálculo de N = Número de Avogadro (Cte de Avogadro, IUPAC), tão somente com uma regra de três simples.
Nesse ponto, eu pergunto: - Estaríamos formando alunos e professores químicos de regra de três? Estariam nossos alunos executando a Álgebra de forma impecável sem a compreensão dos conceitos físico-químicos envolvidos? Valorizando, dessa forma, mais a ferramenta do que o ferreiro.
Minha resposta: - Percebi que sim. O que me motivou a escrever essa postagem.
Na verdade, a reedição da 2ª Lei [atualizada] não está errada, trata-se de um desdobramento da Lei, sem citação ou compreensão de sua origem por parte dos novatos na disciplina. É uma forma de interpretá-la; uma análise mais profunda do fenômeno. Uma explicação para o que está ocorrendo na esfera atômica.
A partir de tais considerações, pergunta-se: - Como nossos alunos do ensino médio resolverão os problemas que envolvem a 2ª Lei de Faraday? Existe um prejuízo em suas formações quando conhecem como a Lei foi enunciada? Deve-se desprezar a equação m = 1/F . E. T. i ?
Vejamos a seguir duas questões resolvidas pelos atuais professores do ensino médio, e também resolvidas da forma que as relaciona aos trabalhos de Faraday, utilizando o Equivalente-grama.
Duas questões resolvidas de duas formas: 1º) empregando resoluções atuais e 2º) o conceito de Equivalente-grama
1a Questão:
Duas células galvânicas ligadas em série contêm, respectivamente, íons Cu2+ e Au+3. No catodo da primeira são depositados 0,0686 g de cobre. A massa de ouro que será depositada, ao mesmo tempo, no catodo da outra célula, em gramas, será, aproximadamente:
a) 0,140 b) 0,280 c) 0,430 d) 0,520 e) 0,986
Resolução proposta com a 2ª Lei reeditada disponível na internet:
(Dados citados não recomendada pela IUPAC em negrito)
Mol do Cu = 64g ou Cu = 64g/mol
Mol do Au = 197g ou Au = 197g/mol
Resolução proposta com a 2ª Lei utilizando o Eq-g:
Nesse momento, é necessário definir o conceito de Eq-g (conhecimento prévio para a resolução). O conceito de E foi estabelecido por uma das Leis Ponderais (leis que tratam das massas envolvidas numa reação química), a Lei de Richter-Wenzel-Berzelius, ou Lei de Richter, 1791, também conhecida como Lei das Proporções Recíprocas ou Lei das Equivalências que diz:
"Considerando as massas de dois elementos químicos, que se combinam com uma massa fixa de um terceiro elemento, concluiremos que se os dois primeiros elementos reagirem entre si, eles o farão na mesma proporção das massas que haviam reagido com o terceiro elemento, ou então numa outra proporção formada por múltiplos ou sub-múltiplos dessas massas"
A Lei de Richter tem como principal consequência o fato de que:
"As substâncias reagem segundo seus Equivalentes-grama"
Ou seja, 1Eq-g da substância A reage com 1Eq-g da B.
Equivalentes-grama (alguns exemplos):
Elemento = Mol/valência
Ex. Oxigênio = 16g/2 = 8g
Substância simples = Mol/valência x nº de átomos
Ex. Ozônio = 48g/2x3 = 8g, note que o Eq-g é o mesmo, pois trata-se do mesmo elemento.
Ácido = Mol/nº de hidrogênios ionizáveis
Ex1. H2SO4 = 98g/2 = 49g
Ex2. HCl = 36,5g/1 = 36,5g
Base = Mol/nº de hidroxilas
Ex1. NaOH = 40g/1= 40g
Ex2. Ca(OH)2 = 74g/2 = 37g
Íon = Mol/carga
Ex1. Cu++2 = 64g/2 = 32
Ex2. Au+3 = 197g/3 = 65,67g
Mol do Cu = 64g
Mol do Au = 197g
(1) Número de Eq-g do Cu = massa do Cu / Eq-g do Cu
= 0,0686/ (64/2) = 0,00214 Eq-g de Cu.
Esta é a mesma quantidade de Eq-g de Au que será eletrolisada.
Logo, aplicando (1) para o Au, a massa de Au será:
0,00214 = massa de Au/ (197/3) = 0,14077 ≈ 0,140g
2a Questão:
O cromo é utilizado na galvanoplastia revestindo estruturas metálicas pelo processo de eletrodeposição. 867 mg de cromo metálico foram depositados sobre um metal em solução ácida que contém óxido de cromo VI sob corrente de 5A.
CrO3(aq) + 6H+(aq) + 6e- → Cr(s) + 3H2O
Assinale a alternativa que contém o tempo necessário para a realização do processo.
Cr: 52g/mol; O: 16g/mol
a) 16 min e 44 s
b) 19 min e 30 s
c) 5 min e 22 s
d) 32 min e 10 s
e) 25 min e 16 s
Resolução atual:
CrO3(aq) + 6H+
(aq) + 6e- –> Cr(s) + 3H2O
6F --------- 52g
x --------- 0,867g
x = 0,1000 F
1F ————96500C
0,1F ————x
x = 9650C
Q = i.t
9650 = 5.t
t = 1930 segundos
t = 32 minutos e 10 segundos
Resolução com Equivalente-grama:
Aplicando m = 1/F . E. T. i,
tem-se:
0,867 = (1/96.500). (52/6). T. 5, onde
T = 0,867 x 96.500 x (6/52) x (1/5) = 1930,74 ≈ 1930 segundos, ou
T = 32 minutos e 10 segundos
Discussão
A resolução da primeira questão, sem o conceito de equivalente-grama, passa por duas regras de três. Observe que na resolução atual, da 2a questão, também é aplicado duas regras de três, a primeira utiliza um fundamento químico e a segunda, um lógico-matemático.
Quando se utiliza o Equivalente-grama, não é a regra de três a principal ferramenta para a resolução da questão. Nesse caso ela não é a operação decisiva. O uso da expressão teórico-empírica m = 1/F . E. T. i permite ao aluno colocar os dados do problema na equação gerada a partir das duas Leis de Faraday como foi originalmente descrita. Ou seja, a regra de três não é a regra para a obtenção da resposta, mas sim conceitos extraídos da Química e da Física – determinados experimentalmente.
O Eq-g é um conceito relacionado a massa reacional de cada espécie química, conseqüência da Lei das massas de combinação, ou das proporções recíprocas (Lei de Richter), nos remetendo ao conceito de uma massa equivalente a outra, do ponto de vista de consumo mútuo. Assim, a primeira resolução, nos leva ao desdobramento da 2a Lei do ponto de vista da reação química e da carga envolvida para a realização dos processos nos eletrodos – o que está correto na compreensão físico-química da lei.
Por exemplo, a Teoria Atômica de Dalton de 1803 é ensinada em nossas escolas até os dias de hoje, muito embora sabe-se que os átomos não são partículas indestrutíveis. Modelos didáticos de bolinhas e hastes são utilizados por nossos professores para representar desde simples moléculas como a da água até alótropos do carbono, como a grafite, o diamante, os nanotubos, as buckbolas e o grafeno, para a compressão de suas propriedades físicas e justificativa de suas utilizações pela sociedade. Essa importante teoria explica satisfatoriamente a compreensão da Lei da Conservação das Massas de Lavoisier*, 1773, ou das proporções fixas de Proust, 1795. Todas estas essenciais na compreensão dos fenômenos de transformações químicas – as reações químicas. Também, ministradas para os nossos alunos do Ensino Básico até os dias atuais.
* A Lei da Conservação das Massas foi publicada pela primeira vez 1760 pelo químico russo Mikhail Vasilyevich Lomonosov. No entanto, Antoine Laurent Lavoisier, através de experimentos utilizando a combustão tornou-a conhecida; por isso é chamada Lei de Lavoisier.
É possível, que muitos alunos não irão, na hora de seus cálculos, representar as equações químicas com suas estequiometrias. Tão somente irão "decorar" que devem utilizar os módulos dos valores das cargas dos íons para iniciarem suas inúmeras regras de três, sem a compreensão do fenômeno químico em sua integralidade. Muito embora, os professores se esforcem em deixar claro o conteúdo durante a apresentação da 2ª Lei de Faraday em suas aulas; o real significado de 1F. Todavia, pode ocorrer que alguns professores sequer citem os trabalhos de Michael Faraday. Tornou-se desnecessário, acreditando que tal apresentação será um elemento confundidor na aprendizagem da Eletrólise, por parte de seus alunos. Por exemplo, é provável que ocorra o seguinte questionamento pelos professores de Química: - Para que vou ensinar, se não irão usar?
Certamente, em um laboratório de química, ou mesmo através da demonstração teórica, podemos aplicar a expressão empírica K = Q. E/m, e chegarmos a um resultado real e concreto para o aluno.
Não se procura com essa discussão resoluções mais rápidas e mais fáceis. Muito menos perpetuar nomenclaturas conflitantes com outros ramos da Ciência, como defender o uso de expressões errôneas como "equivalente peso", visto que as grandezas peso e massa são diferentes em suas definições. Pretende-se colocar o pensamento do aluno dentro de uma atividade prática, sem o mesmo estar presente num laboratório. Por outro lado, também não podemos esquecer dos recursos práticos que alguns estabelecimentos de ensino médio possuem. Nesse contexto, diga-se, saudável para o ensino da química experimental, nossos alunos vivenciarão partes das grandes descobertas que Michael Faraday conquistou. Certamente uma viagem ao Mundo Maravilhoso da Química despertará novos químicos de tempos futuros bem presentes.
De certo que o conceito de Equivalente-grama possa estar aquém do que realmente acontece, mas não anula as bases da eletrólise, ou seja, a transferência de elétrons implicando em alterações nas quantidades de matéria, seja do ânodo ou do catodo. Assim, as Leis de Faraday estariam sendo preservadas em suas origens, sendo apresentadas como foram concebidas. Portanto, "esconder" de gerações futuras a essência de tais Leis, é como desprezar o talento histórico-científico de um gênio, e ao mesmo tempo exibir para os novatos da área um Michael = 1/2F, um Faraday pela metade.
Mas, o que aluno do ensino médio precisa saber nesse momento de sua formação? Senão "pesar" substâncias, "ler" uma corrente elétrica e utilizar expressões empíricas para verificar que seus cálculos o levam a resultados que confirmam a teoria química apresentada e desenvolvida em sala de aula, ainda que limitada no seu curso. Qual a finalidade do Ensino Médio? Produzir Químicos Quânticos?
Conclusão
Seria de grande importância para o ensino pessoal e coletivo, como instrumento de desenvolvimento de uma nação, que nossos jovens do ensino médio fossem estimulados no berço do Método Científico. Aqueles que prosseguissem suas carreiras acadêmicas na área, teriam maturidade acadêmica para compreenderem o Modelo em sua profundidade de conhecimento, e aqueles que escolhessem outras, não perderiam, educacionalmente falando; mas, agregariam as suas formações a disciplina do Método, além do prazer pessoal da conquista, quando põem em prática tais metodologias, forjadas, nesse caso, em um simples Laboratório de Química Escolar.
Sem devaneios, mas, parece que banir o conceito de Equivalente-grama da Química atual, retira todo o brilhantismo dos séculos XVIII e XIX, que mesmo sem perceber ou admitir, faz muita falta nos dias atuais; além de transformar nossos futuros professores em químicos de regra de três.
Referências
1. Ricardo Feltre & Setsuo Yoshinaga. Fisico-Química, Vol 2, Teoria e Exercícios. Editora Moderna, São Paulo, 1974.
2. Ricardo Feltre & Setsuo Yoshinaga. Fisico-Química, Vol 3, Teoria e Exercícios. Editora Moderna, São Paulo, 1974.
3. John Blair Russel. Química-Geral; tradução e revisão técnica Márcia Guekezian et al. 2ª Edição. São Paulo: Pearson Makron Books, 1994. Volumes I.
4. John Blair Russel. Química-Geral; tradução e revisão técnica Márcia Guekezian et al. 2ª Edição. São Paulo: Pearson Makron Books, 1994. Volume II.
5. Roberto Ribeiro Silveira & Romeu C. Rocha-Filho. Mol: Uma nova terminologia. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA. Nº 1, Maio, 1995.
6. Matemática e suas Tecnologias/Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Caderno 4. Ensino Médio – 3ª Série. 1 ed. São Paulo: SOMOS Sistema de Ensino, 2017.
7. https://www.estudavest.com.br/questoes/?id=137696#_=_. Acesso 15/07/2021.
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11. https://mundoeducacao.uol.com.br/quimica/lei-conservacao-massa.htm Acesso 19/07/2021.
12.https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/41532/6/2ed_qui_m4d8_tm01_box3.pdf Acesso 19/07/2021.
13. Princípios de química : questionando a vida moderna e o meio ambiente. Peter Atkins, Loretta Jones, Leroy Laverman; tradutor: Félix José Nonnenmacher; revisão técnica: Ricardo Bicca de Alencastro. – 7. ed. – Porto Alegre: Bookman, 2018. ISBN 978-85-8260-462-5.
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