COVID-19 e o SARS-CoV-2: A DOENÇA E O NOVO CORONAVÍRUS. O QUE FAZER AGORA?
Os coronavírus circulam naturalmente em morcegos.
Arquivo pessoal. Imagem ilustrativa. Maio de 2020, João Pessoa, Brazil.
No início de maio o mundo comemorou 40 anos do fim da varíola, uma doença viral com altíssima taxa de mortalidade que desfigurava as pessoas através de suas lesões espalhadas pelo corpo. No século XX matou mais que todas as guerras.
No momento, enfrentamos uma nova ameaça. Esses vírus respiratórios pandêmicos surgem na natureza devido a recombinações entre seus materiais genéticos. Por exemplo, o vírus influenza, o H1N1 de 2009-2010, foi gerado quando uma pessoa com o influenza humano entrou em contato com porcos, também gripados e, assim, esses animais, ao produzirem seus vírus, misturaram genomas do influenza suíno ao influenza humano, que por sua vez é transmitido ao homem. Nesse caso gerou-se um novo vírus, o qual ninguém tem imunidade, e que apresenta uma características que o torna pandêmico, a alta taxa de transmissão entre os seres humanos.
Assim também foi formado este novo coronavírus, o SARS-CoV-2. Existem estudos que já identificaram a origem dessas recombinações. O tempo todo esses vírus estão sendo formados na natureza. Mas, para que se tornem pandêmicos, devem possuir alta taxa de transmissão entre as pessoas. Essas recombinações são chamadas de Shift, onde genomas de coronavirus de animais diferentes infectam simultaneamente um terceiro animal, ocorrendo a mistura desses materiais genéticos, formando assim um novo vírus, que até então não existia na natureza, mas que agora é capaz de passar para a nossa espécie e sustentar de modo eficaz, biologicamente falando, a transmissão entre nós.
Nesse quadro pandêmico podemos imaginar uma pessoa eliminando o vírus lá na China, mesmo sem sintomas, manuseando e contaminando uma pequena moeda. E agora, esse novo vírus atravessa mares e continentes, desembarcando em lugares bem distantes.
O fato interessante na biologia do coronavírus é que se trata de um vírus envelopado. Esse deveria ser frágil nas superfícies, como ocorre com o vírus da aids, vírus da hepatite B e o vírus da dengue. Por exemplo, não “pegamos aids” quando tocamos na mesa. Os vírus envelopados são prontamente inativados nas superfícies, como mesas, plásticos, moedas, notas, teclas de computadores. Não são mortos! Visto que vírus não são vivos e, portanto, não podem morrer, tão somente dizemos que são inativados, destruídos. Desse modo, não poderão infectar e tampouco causar doença.
No caso desses coronavírus, apesar de serem vírus envelopados, são bastantes resistentes, diferente do vírus influenza, o H1N1, que é mais frágil e cuja transmissão ocorre fundamentalmente através da via aérea. Os coronavírus persistem bem nas superfícies, podendo ficar ativos por dias em uma mesa, numa maçaneta, num plástico, ou mesmo na tecla de uma máquina de crédito.
Apesar da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado no final de janeiro de 2020 o surto de pneumonia em Wuhan, na China, como emergência internacional, vários especialistas da saúde disseram na época que era apenas uma gripe que matava pouco, de baixa mortalidade. Diziam que era apenas uma doença respiratória, e que outras viroses matavam mais.
Ouvir declarações dessa natureza de uma pessoa que não é da área da saúde é até concebível, visto que sua ideia está baseada no senso comum. Mas testemunhar tais posições de vários profissionais da saúde é preocupante. Basta lembrar que a gripe espanhola de 1918, com uma taxa de mortalidade estimada em 2%, matou mais de 50 milhões de pessoas sem a necessidade dos aviões a jato.
É comum pessoas confundirem os conceitos de mortalidade e de transmissibilidade. Por exemplo, um vírus que mata pouco, mas que se espalha em vários continentes, como o da gripe espanhola, devido a sua alta transmissibilidade, não pode ser comparado ao vírus ébola, que possui alta taxa de mortalidade, em torno de 50%, mas que atinge 800 a 1.000 pessoas numa região específica do mundo. Isso não é um problema mundial, observando apenas números. No entanto, um vírus que atinge 1 bilhão ou mais de pessoas, como o coronavírus é diferente. Nesse sentido, a transmissibilidade é um fator essencial e a mortalidade deve ser avaliada em termos globais.
Tais pensamentos errôneos desencadeiam uma série de eventos que fatalmente irão culminar em mais óbitos. O caso clássico foi o ocorrido na Itália, após 30 dias do novo coronavirus, desde o primeiro caso confirmado por óbito pela COVID19, mais de 4.000 pessoas morreram. Sendo que, no final do mês de março, o prefeito de Milão pede desculpas à população.
Ademais, falta clareza e objetividade nas informações. Observamos desde o início vários erros sendo cometidos, inclusive pela OMS, quando dizia que não havia necessidade de todos utilizarem máscaras. Mais tarde, voltou atrás nessa posição. Até o nome do vírus* e da doença foram alterados, o que confundiu não somente os profissionais da área, mas também a população. Por exemplo, relatos de moradores da Itália, no mês de março, revelaram que as pessoas não deram importância ao novo coronavírus e sua doença, acreditando que era um problema chinês.
* HCoV-19; nCoV-19.
* HCoV-19; nCoV-19.
Aliado às questões de informação, houve uma demora por parte da OMS em declarar o estado de pandemia por este novo coronavírus, que rapidamente cruzou os continentes e oceanos. Uma espécie de "superdisseminação" (sem tradução ainda, do inglês "super-hot spreading vírus").
Diferente da gripe espanhola de 1918, os mais jovens nessa pandemia se recuperam bem, a maioria das infecções são assintomáticas, gerando uma enorme quantidade de portadores: os infectados sem sintomas.
Em países menores, como a Coréia do Sul, foram realizados testes no maior número de pessoas, a fim de separar os positivos dos negativos. Lá funcionou bem, as curvas de casos e de óbitos mostram isso. Mas no Brasil, praticamente um continente, isso não é viável em escala nacional. Deve-se testar os internados, os sintomáticos e adotar medidas preventivas.
Essa situação deve ser controlada através da transparência e de um consenso social. Numa pandemia, uma autoridade pública não tem condições de decidir monocraticamente o que todos devem fazer. Basta observar as posições que a OMS, ao longo deste período, tem alterado. Chegando a dizer que cada país deveria tomar medidas próprias e proteger àqueles que precisam do pão diário.
Portanto, é o desespero e a falta de confiança da população nas autoridades políticas e sanitárias que determinarão o caos e a não obediência às normas básicas de prevenção.
Venho realizando estudos preditivos dessa pandemia desde o final de janeiro de 2020. E através de análises das minhas curvas de número de casos e de óbitos, construídas a partir de dados divulgados na literatura específica, além de taxas de mortalidade, taxa de ataque secundário, tempo de recuperação, período de incubação, previsão do número final de infectados, e o Ro (a taxa de reprodutividade), considerando o estado atual de isolamento da população brasileira, foi possível verificar que a tão almejada imunidade de grupo, para que todos estejam “aparentemente” protegidos, somente será atingida daqui há 4-5 meses.
Ficar em casa com medo até o final do ano trará mais problemas. Temos observado através da imprensa nacional, conflitos entre vizinhos, casos de estupros de vulneráveis, agressões entre casais, problemas relacionados a alimentação, e considerando que muitas pessoas trabalham informalmente e conseguem seus sustentos no cotidiano, sem a movimentação social, mas com o novo coronavírus circulando na comunidade, a fome, a angústia, a depressão, e a violência social serão as marcas do SARS-CoV-2. Vale lembrar que esses vírus, em 2002 e 2012, já causaram surtos de doenças respiratórias e sistêmicas em várias regiões do planeta.
A sociedade precisa saber o que é melhor para ela. Deve haver ponderação. Muitos apelam para a Ciência, mas sem consenso entre as diversas áreas da Academia, não haverá respostas consistentes a todas às demandas de uma sociedade que anseia por uma solução para um problema que diariamente nos arrasta para uma estrada sem fim.
Externando minha posição, mas sujeito à discussão, creio que devemos voltar as nossas atividades com organização, monitoramento, incessantes campanhas educativas, além de apoio logístico contínuo no que concerne à organização de filas, entradas nos mercados, igrejas com limitações de número de pessoas, reuniões religiosas de curta duração, algumas atividades esportivas sem espectadores presentes, cinemas devem aguardar, escolas e universidades devem abrir, uso continuo e seguro de máscaras, distanciamento social e novas condutas em ambientes de aglomeração mediante campanhas educativas. É fundamental que tais medidas sejam coordenadas de forma centralizada, mas com a participação de todas as representações das três esferas do país, Município, Estado e Governo Federal. Falando uma só língua, a população não ficará confusa e recomeçará esse “novo normal” que nos espera lá fora...
Finalmente, neste momento a única vacina disponível é o próprio vírus que circula na comunidade. O vírus é a melhor vacina. Sendo assim, devemos nos perguntar: ficamos em casa escondidos com o número de óbitos diários crescente, ou vamos para as ruas de maneira consciente?
A humanidade precisa enfrentar sua nova realidade. Vamos ficar esperando a próxima pandemia, assustados feito “meninos medrosos”, e desorientados sem saber como prosseguir nossas vidas?
O autor Paulino diz: “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino”.
A Academia, no seu conjunto das diferentes áreas, deve dar suporte à sociedade, principalmente, no sentido de orientá-la, cientificamente falando, para que as “Fake News” não tenham sucesso em momentos como esse. O momento é de união, universidades, população, políticos, judiciário e governos. Elaborar estratégias eficientes para esta e para as próximas pandemias - gripe suína, gripe aviária, SARS-CoV-3 - deve ser o tom da palavra.
“O vírus da varíola circulou no planeta por pelo menos 3.000 anos. Sua erradicação em 1980, eliminação na superfície do planeta, foi devido a um esforço global de virologistas, como o Prof. Frank Fenner e da sociedade, liderado pela OMS; e assim o sonho foi possível.”
Prof. Dr. Marcelo Moreno
Virologista
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
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